Polissonografia e o cirurgião-dentista


Programa de pós-graduação em Odontologia da PUC Minas (PPGO PUC Minas)

Maria Letícia de Barros Massahud (1)
Vinícius de Magalhães Barros (2)
Paulo Isaias Seraidarian (2)

(1) Aluna do Curso de Mestrado Acadêmico – PPGO PUC Minas
(2) Docente do PPGO PUC Minas


O sono exerce um papel fundamental na saúde e no bem-estar físico e psicossocial dos indivíduos. É considerado uma das funções fisiológicas mais importantes do organismo humano, sendo indispensável para manutenção dos processos cognitivos, do humor, da memória e do funcionamento apropriado dos sistemas imunológico e endócrino. O ritmo circadiano regular é responsável pela manutenção da função de secreções hormonais, regulação da temperatura corporal, batimentos cardíacos, função renal e motilidade intestinal.

Alterações no ritmo sono-vigília levam a mudanças no metabolismo e atividades fisiológicas, podendo gerar disforia, mal funcionamento do organismo e risco geral à saúde. Várias desordens podem interromper o sono, sendo as mais comuns a apneia central e/ou obstrutiva, narcolepsia, síndrome das pernas inquietas, parassonias, abuso de substâncias (medicamentos e drogas), doenças psiquiátricas e insônia.

A Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono (SAHOS) é o distúrbio respiratório mais comum durante o sono, sendo definida por episódios frequentes de obstrução das vias aéreas durante o sono, onde há diminuição (hipopneia) ou pausa (apneia) na respiração. Sexo, idade, obesidade, anormalidades na orofaringe e características cefalométricas são considerados como fatores de risco para SAHOS. Diversos fatores craniofaciais podem predispor ao desenvolvimento da SAHOS, como retrognatia, macroglossia e atresia maxilar.

Alterações orais parecem exercer um papel importante na fisiopatologia da SAHOS. Perdas dentárias levam a alterações morfológicas na região da orofaringe, com redução nas dimensões vertical e horizontal do rebordo alveolar, rotação da mandíbula, com consequente diminuição do terço inferior da face, e retração da língua em repouso. Além disso, podem ser observadas mudanças na postura labial e do mento, levando à respiração bucal. Esses fatores podem impactar a patência das vias aéreas superiores (Figura 1).

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Figura 1: Apneia/Hipopneia Obstrutiva do Sono e seu impacto na patência das vias aéreas superiores. Fonte: http://www.drauziovarella.uol.com.br (Google Imagens).

Outro distúrbio do sono de grande interesse para o cirurgião-dentista é o bruxismo. O bruxismo do sono é uma desordem do movimento relacionado ao sono, mediada centralmente. Além disso, o bruxismo pode ocorrer secundariamente a episódios de apneia e hipopneia obstrutivas do sono.

O bruxismo do sono é uma condição prevalente na clínica diária e sua etiologia é multifatorial. Embora seu mecanismo fisiopatológico ainda não esteja totalmente esclarecido, vários estudos relacionam a fisiopatologia do bruxismo do sono aos sistemas serotoninérgicos e dopaminérgicos (Figura 2).

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Figura 2: Bruxismo do sono. Fonte: http://www.tuasaude.com (Google Imagens).

Mecanismos relacionados ao sono, sob influência de neurotransmissores cerebrais, parecem promover a patência das vias aéreas superiores durante o sono, por induzir aos movimentos rítmicos da musculatura mastigatória, que é a manifestação motora do bruxismo. Além disso, estes mecanismos provocam um aumento na atividade muscular responsável pela protrusão mandibular e abertura das vias aéreas.

A Polissonografia é o exame “padrão-ouro” para o diagnóstico de distúrbios do sono, incluindo SAHOS e bruxismo. As informações são obtidas a partir de eletroencefalograma, eletro-oculograma e eletromiografia, na região de mento, músculo tibial anterior e corpo de músculos masseter bilateralmente. É realizado eletrocardiograma para monitoramento cardíaco. Variações respiratórias são mensuradas pelo fluxo aéreo, esforço respiratório do tórax e abdome, e saturação arterial de oxigênio. A posição corporal é avaliada por um sensor de posicionamento. Também são feitos registros de áudio e vídeo, para detecção de ronco e movimentos de membros inferiores e região orofacial. Todos estes dados são gravados e enviados para um software determinado. É importante diferenciar o bruxismo de outras atividades oromotoras que podem ocorrer durante o sono, como engolir, tossir e falar durante o sono, e é possível identificá-las e distingui-las por meio da polissonografia (Figura 3).

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Figura 3: Exame de polissonografia, padrão-ouro para diagnóstico de distúrbios do sono. Fonte: http://www.boavidaonline.com.br (Google Imagens)

De acordo com Lobbezzo (2018), o diagnóstico de bruxismo é considerado definitivo a partir do exame de polissonografia. Registros eletromiográficos obtidos pelo exame fornecem evidências decisivas para determinar a presença de bruxismo.

Da mesma forma, os registros de interrupção parcial ou total do fluxo aéreo,  do esforço respiratório do tórax e abdome e da saturação arterial de oxigênio, obtidos durante o exame de polissonografia, são dados essenciais para o diagnóstico da SAHOS. Destaca-se também que o conhecimento profundo de análise de todas as informações coletadas e registradas durante o exame é fundamental para extrair e relacionar as diversas informações de forma a contribuir para diagnósticos adequados.

É de grande relevância que os cirurgiões-dentistas saibam identificar os sinais e sintomas dos distúrbios do sono e correlaciona-los com seus possíveis fatores etiológicos, visando um tratamento multidisciplinar e que envolva a saúde e o bem-estar global dos pacientes. A polissonografia oferece dados valiosos para o diagnóstico destes distúrbios, o que torna sua interpretação pelo cirurgião-dentista fundamental nas tomadas de decisão em relação ao tratamento do paciente.

 Referências

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Desordens Temporomandibulares: um problema prevalente e relevante


Programa de Pós-graduação em Odontologia da PUC Minas (PPGO PUC Minas)

Natália Hermeto Mendes Braga (1, 2)
Karolina Kristian de Aguilar Seraidarian (3)
Paulo Isaias Seraidarian (4)
Rodrigo Villamarim Soares (4)

(1) Aluna do Curso de Doutorado – PPGO PUC Minas
(2) Docente do Curso de Graduação em Fisioterapia – PUC Minas
(3) Aluna do Curso de Graduação em Odontologia – PUC Minas
(4) Docente do PPGO PUC Minas


A articulação temporomandibular (ATM) está relacionada a estruturas da cabeça e pescoço e envolvida em funções fundamentais como a fala, a mastigação, deglutição, ingestão de alimentos e ainda na manutenção da condição postura da cabeça e nos movimentos da região cervical.

As desordens temporomandibulares (DTM) referem-se a disfunções deste aparelho, que acometem entre 10% a 40% da população, sendo 1,5 a 2 vezes mais frequentes em mulheres. A DTM impacta negativamente na qualidade de vida dos indivíduos acometidos, sendo considerada um problema de saúde pública.

Sinais e sintomas específicos de DTM podem incluir, além de dores na ATM, cervicalgias, bruxismo, ruídos articulares, desvio ou restrições durante os movimentos de abertura e fechamento da boca, assim como tensão e sensibilidade nos músculos mastigatórios e periauriculares.

Fatores psicossociais como ansiedade, depressão e pouca capacidade de lidar com problemas estão associados à ocorrência de DTM, sendo frequentemente relatados pelos pacientes. Cabe ainda ressaltar que fatores econômicos, étnicos, culturais, parafuncionais, oclusais e traumáticos também têm sido associados à ocorrência de DTM.

No aspecto sistêmico, as alterações no padrão do sono, doenças reumáticas, infecciosas, desordens hormonais, distúrbios nutricionais e eletrolíticos, dentre outros, também são fatores causais para esta doença.

Diante do exposto pode-se deduzir que a DTM é uma condição de saúde complexa e de caráter multifatorial. O alto impacto causado pela dor é preditivo de gastos com cuidados com a saúde, além de resultar em restrição da participação no trabalho, em atividades sociais e no autocuidado.

Portanto, o diagnóstico e a investigação de fatores que podem estar associados às DTM são aspectos essenciais na elaboração de condutas clínicas efetivas para o tratamento dos indivíduos afetados por esta desordem.